10 de julho de 2009

Abro esta prosa com uma corrente de ar que empurra a porta para trás. Da posição em que estou, e que é muito própria de um rei, vejo um grande campo cultivado. Para dizer a verdade não consigo distinguir se é milho, couve ou feijão verde. É verde, um verde-minho ostensivo, como alguém me disse há uns anos atrás numa viagem de carro. Vou vivendo para deixar de viver, se me faço entender. Para mal dos meus pecados, e devem ser alguns, não há orgão neste corpo que se revolte contra mim. Cumpro as vontades do coração, dos pulmões, da bexiga, do intestino, porque na realidade nem força tenho para os contrariar. Deus sabe a minha hora. Ouço isto todos os dias pela boca das minhas filhas. Mas eu sinto que estou atrasado no meu compromisso. O último, talvez o mais importante, o eterno e terno momento em que terei paz. E essa paz é a alma deixada pelo meu corpo. Ficarei guardado num invólucro para sempre. Julgo, e não sei de onde me vem esta ideia, que a alma é coisa pequenina, condensada, que cabe numa mão fechada. Levanto o dedo indicador no ar e faço um risco e depois outro, e procuro encontrar o traço certo de uma caricatura. Uma entre dezenas que ficaram em pedaços de papel de uma mesa, um guardanapo, um bloco de notas. E assusto-me com a firmeza da minha mão. Não é justo, é o que posso dizer.
Mais velho do que eu nesta terra só o Joaquim Preto que mora duas ruas abaixo, e leva dez anos de avanço. Já me parecia velho quando eu ainda me achava novo e agora que eu sou velho ele deve ser muito velho. Já não o vejo há muito tempo. Esperamos sentados, vestidos, penteados, engomados, a recolha da morte.

2 comentários:

Cindy Lopes disse...

porra, mas que texto do caraças! tu não sabes mesmo o tanto que vales, suzanne. mas desde que continues aqui, isso é o que interessa.

amor,
cindy

Romeo disse...

belo texto doce suzzane. não consegui segurar a emoção.

beijinho bom

romeo